para a parada mal parada
na praça mal iluminada
alguns choram os que não chegaram
outros gemem ao chegarem
tentam esquecer o quanto mataram
alguns desejam ali cegarem
pouco ouvem do discurso
proferido pelo político polido
querem esquecer, não lembrar
anseiam desviar o percurso
e proferirem aí o último balido
Poeta não sei se sou, mas disléxico tenho a certeza, só por preguiça é que não peço um atestado médico. Curiosamente sou mais disléxico do que poeta. Pois, não consigo entender o Mundo e descreve-lo sem erros, omissões ou mesmo sem saltar momentos. Tal como ficava frustrado com os erros nos ditados e cópias (que se saldavam em pancada proporcional pela professora da primária) de textos tão perfeitos, também fico agora não poder retratar este nosso Mundo perfeito na perfeição.
sábado, 31 de julho de 2010
quinta-feira, 10 de junho de 2010
quarta-feira, 24 de março de 2010
O que é isto?
Caminho por uma estrada
Não sei onde ela vai dar
Faço tudo e nada
Para a fazer falar
Tem passeio de pedra
E chão de gelo
Não sei se aguento a queda
E lance um apelo
Não tenho coragem
De seguir até ao fim
Paro aqui a viagem
Ou fujo de mim?
Gostava de sentir o chão
Gostava de sentir-te a ti
Tenho medo de segurar a tua mão
Tenho medo que se quebre em mim
1991
Existências
(1)
Carrego o fardo da minha existência
Caminhar torna-se forçado
Tropeço nas ideias
Descanso nas dúvidas fáceis
Para caminhar finjo convicção
Finjo convicção consensual
Par vencer esqueço os sonhos
E já não sei se existo
... fico leve ...
1/11/1998
(2)
Sei obedecer
Sou elemento da Procissão Universal
Sigo o caminho indicado
Ignoro a escuridão
Mesmo quando ela brilha
1/11/1998
terça-feira, 23 de março de 2010
O velho juiz
O velho juiz caminha lentamente pela irregular rua de calçada portuguesa que divide a aldeia em duas partes quase simétricas. O seu passo lento mas firme, leva-o do Centro de Dia, depois do jantar, para a sua casa no fundo da rua. O sol, já na sua inclinação máxima, ruborizado e decidido a desaparecer ainda consegue alimentar uma fraca sombra arrastada do seu corpo torto. A sombra acentua a deformação profissional ganha em milhares de horas debruçado sobre livros de leis e processos volumosos e empoeirados.
O velho juiz cumprimenta as pessoas, que a essa hora, regressam do campo, aproveitando o fim de tarde para rega das hortas. Esses breves encontros causam-lhe todos os dias um sentimento de inutilidade e fraqueza.
Os dias do velho juiz são todos iguais, sai da cama às 7:00, depois da sua higiene pessoal toma o pequeno-almoço e ocupa o resto do tempo que tem até ao meio-dia, hora que se desloca para o Centro de Dia da aldeia para almoçar, a recordar os tempos passados. Sentado no banco do restrito jardim, recapitula a sua vida, a infância, a adolescência, o tempo de estudante universitário, a sua escolha como juiz e agora, a inutilidade de ser velho.
Foi com grande agrado que nessa tarde recebeu dois velhos amigos que o esperam à porta de casa. O velho juiz apressou os seus passos ao avista-los. A expectativa de os amigos estarem ali à sua espera para pedirem conselho jurídico transforma-se rapidamente em ansiedade.
Quando os avistou faltavam poucas dezenas de metros, os últimos metros parecem-lhe quilómetros.
- Boa tarde meus amigos!;
-Boa tarde Senhor Juiz - cumprimentam em uníssono;
- Então, porque esperam? - disse o juiz tentando ocultar a ansiedade;
- Bem, o Carlos e eu estamos com um pequeno problema ...
- Esperem! Vamos entrar. - disse o velho juiz, que acentua mais a sua corcunda enquanto tenta encontrar o buraco da fechadura com a mão esquerda e introduz a chave com a direita. Roda a chave com destreza sincronizando com um pontapé seco na base da porta, contrariando assim o atrito entre esta e o chão.
Abriu a grossa porta de madeira, acendeu a luz.
A luz aparenta ser engolida logo na fonte tornando a sua luminosidade fraca mas homogénea na sala, eliminando qualquer sombra de objectos ou pessoas.
- Meus amigos, é melhor passarmos para a cave. É lá onde guardo os meus livros.
Os dois amigos concordaram. Os três caminham ao longo do corredor, onde se mostram carunchosos os vários diplomas do velho juiz. No fundo e à esquerda do corredor atravessaram uma porta, que é bem mais pequena do que as restantes, e desceram umas escadas.
O velho juiz procurou o interruptor auxiliado pela ténue luz vinda das escadas. A luz da cave, apresenta-se igualmente ténue mas, projecta sombras dos objectos e pessoas.
- Meus amigos façam o favor de sentar. - Estas palavras tiveram um efeito tonificante ...
- Queiram relatar a vossa situação, podes começar tu Carlos.
Os dois amigos relataram a situação e esperaram pela opinião do velho amigo juiz.
O velho juiz foi abastecer-se de um suplemento de glucose para o cérebro, fornecido pelas açucaradas bolachas de chocolate que os netos lhe entregaram na visita do fim-de-semana.
Os dois amigos sentados em duas cadeiras de madeira fitavam pacientemente o velho juiz que se mantinha de pé por de traz de uma bancada onde repousa um livro de leis aberto a um terço do seu amplo volume.
Uma lesma sobe lentamente a bancada marcando-a com um rastro luminoso de ranho. Depois de se alimentar nas migalhas das bolachas de chocolate regressa, na sua lentidão, ao mesmo sítio marcando o regresso com um novo rastro luminoso, aparentemente mais luminoso que o anterior.
Os amigos são pacientes, têm que ser pacientes ... a confiança ajuda.
Mais uma vez a lesma marca a sua presença. Mais uma e outra vez. Muitas vezes até ficar gorda e grande. Os dois amigos ficaram metamorfoseados com a espera esperançada e rapidamente iniciam o rompimento do casulo. Ao se libertarem ostentam os seus corpos felpudos e balofos de mariposas. Depois de esticarem as asas e testarem a sua funcionalidade, levando a uma corrente de ar que agitou o pó existente na cave, precipitaram-se sobre a lesma e sobre o velho juiz, sugando-lhes todos os fluidos.
Satisfeitas, as duas mariposas, tentam alcançar a liberdade. Mas, os seus corpos e enormes asas impedem-lhes de atravessar a pequena porta da cave.
Em pouco tempo morrem de tristeza e à fome, servindo de repasto para outras lesmas.
Fim.
Ano: 1993
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